segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A vindima

TEXTO: Pedro Miguel Sousa 
   ILUSTRAÇÕES: Carlos Santos
            Naquela manhã, Miguel levantou-se muito entusiasmado. A noite, que passara quase sem dormir com ansiedade para que o novo dia rompesse, chegava ao fim e preparava-se para ir com o seu pai à vindima nas vinhas de seus avós. Depois de um pequeno-almoço recheado, os dois puseram-se em cima da motorizada e partiram cheios de alegria.


            Ao chegar à propriedade, os tios e primos de Miguel já estavam quase prontos para começar a vindima, mas enquanto esperavam que todos chegassem, iam preparando os escadotes, os cestos, tesouras e unhas de poda e os baldes para apanhar os vagos. Esta era sempre uma parte menos agradável, porque os mais novos ficavam encarregados pela avó de o fazer, mas o que eles queriam mesmo era vindimar e, nesta vindima foi diferente, o pai de Miguel pediu à sua mãe para os deixar vindimar um bocadinho, que eles depois ajudavam todos no final.
            Quando já todos tinham chegado, começou a azáfama: ‘Torna! Torna!’ – gritava o tio de Miguel em tom de brincadeira. No entanto, Miguel não se deixava ficar atrás e adaptou outra música para se juntar à algazarra: ‘Toca a vindimar, depois de começar não podes mais parar. Um vago, outro vago. Um cacho, outro cacho. Toca a vindimar, depois de começar não podes mais parar.’ A música soou tão bem que todos cantavam enquanto vindimavam.
            No meio da manhã, a avó aparece com o seu tradicional bacalhau frito e o pão de centeio. Este era um dos momentos mais festivos. Miguel não gostava muito de bacalhau, mas este era especial, tinha um sabor diferente.            A festa continuava animada! Umas anedotas, umas adivinhas, algumas histórias do passado, tudo era importante para a família do Miguel passar um bom momento reunida.
            Entretanto, parecia que aquela manhã de sol queria mudar e surgem umas nuvens a ameaçar uma valente chuvada, todos se apressam a pegar nas suas ferramentas e retomam o trabalho com força, para ver se conseguem vindimar tudo sem que sejam impedidos pelo mau tempo. De repente, do outro lado da vinha ouve-se alguma coisa a cair e alguém a gritar. Era o pai de Miguel que tinha escorregado e caíram ele para um lado e o escadote para o outro. Todos correm para o local, Miguel já com as lágrimas nos olhos, mas logo seu pai se levanta apressado: ‘Calma! Calma! Não se preocupem! Eu estou bem!’
            A vindima estava quase no fim. Todos se tinham afligido e pensaram o pior. A festa tão grande que faziam anualmente esteve quase derrubada, mas ninguém se deixou abater, porque o pai de Miguel disse: - Obrigado a todos! Hoje é um dos dias mais importantes para mim. Tive um pequeno acidente, sem importância, e todos me tentaram ajudar e se preocuparam comigo, esta é a verdadeira família, por isso vamos para o lagar pisar as uvas e continuar a cantar todos juntos, porque só assim é que conseguiremos um bom vinho, e temos mais é que continuar de braço dado nos bons e menos bons momentos.
            Miguel e os primos foram os primeiros a vestir os calções, lavar as pernas – como mandam as regras – e entrar no lagar. A euforia era tão grande que os mais velhos tardaram um pouco a juntarem-se aos pequenotes, para que estes homenzinhos pudessem vangloriar-se de fazer o trabalho de gente grande.
 (in Caderno Cultural do Jornal Povo de Fafe)

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