Texto: Pedro Miguel Sousa
Ilustrações: Ana Carolina
O Mundial de Futebol iniciava mais um momento de emoções fortes. As pessoas não falavam de outra coisa, nem era possível com a programação televisiva a lançar conversações, concursos e muitas actividades sobre a temática futebolística a toda a hora.
O Tó adorava futebol. Desde muito pequenito que passava os seus tempos livros a dar uns toques na bola. Era um daqueles meninos que atirava a mochila para cima da cama quando chegava a casa da Escola, almoçava e só fazia os trabalhos de casa depois da sua mãe o chamar vezes sem conta.
Quando chegou a estreia de Portugal no Mundial, o Tó combinou com os colegas juntarem-se em sua casa para assistirem ao jogo e todos juntos construírem uma cadeia de humana de apoio à selecção.
Ninguém faltou ao convite do grande Tó! A sua simplicidade era de tal forma popular que ninguém queria deixar de estar presente. Todos se equiparam a rigor com as cores da pátria. O verde e vermelho rodeavam o jardim da casa de Tó como se fossem flores num jardim, mas não havia a harmonia silenciosa do campo, antes uma tempestade de alegria e encanto com tamanhas risadas e cançonetas antes do espectáculo começar.
Quem não estava a achar muita graça era a vizinha lá do bairro que se colocava em bicas de pé para se mostrar superior aos outros. A sua atitude de grandeza era tão detestável que quase ninguém se aproximava dela, ainda que houvessem uns comentários que ridicularizavam a riqueza de uma mulher que se achava a melhor, mas dizia ‘travalho’ em vez de trabalho e ‘chiquilate’ em vez de chocolate.
Naquele dia tudo foi diferente. O Tó resolveu propor aos amigos e a todas as pessoas que foram chegando, ao ver tamanha algazarra naquela casa da aldeia, que fossem convidar a Senhora para assistir ao jogo com eles.
Os amigos ficaram calados por uns segundos, afinal tratava-se da pessoa que nunca lhes dizia um simples ‘olá’ na rua e desprezava-os por pertencerem a famílias de poucas posses financeiras. Mas, lá no meio do ajuntamento saiu a primeira voz de apoio, que logo foi seguida de outra e outra, até que todos concordaram.
Escolhida uma pequena representação de meninos, partiram em direcção à casa da vizinha, que os recebeu com algum receio, mas ao ouvir as razões que os levavam lá, logo deixou escapar uma lágrima. Nunca ninguém a tinha convidado para nada, confessou! A sua educação tinha sido numa quinta isolada de outras crianças e estudado em colégios de enorme rigor e disciplina, não tendo aprofundado as relações humanas.
Antes de aceitar o convite revelou que lhe faltava umas roupas a condizer com as cores que brilhavam na asa ao lado. Tó resolveu logo o problema e ofereceu-lhe o seu cachecol, outro a bandeira e ainda outro o boné d selecção. Ao chegar a casa do Tó com os amigos, todos se espantaram, mas receberam-na com aplausos.
A partir daquele dia, a Senhora esperava todos os dias pela hora das crianças passarem para a Escola. Dava alguns alimentos aos mais necessitados para a hora do recreio e aguardava que voltassem da Escola para os convidar a estudar em sua casa, ajudando-os nos trabalhos de casa e depois, o que espantou toda a aldeia, partia com os meninos e meninas para jogar à bola, trepar árvores, saltar ao elástico, jogar ao lencinho e a todos os jogos que saíssem da imaginação das crianças.
(in Caderno Cultural do Jornal Povo de Fafe)
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